Privacidade Hackeada: Até onde a LGPD pode nos proteger de escândalos como o da Cambridge Analytica?
“Ao ver uma propaganda, você já teve a impressão de que o computador está ouvindo suas conversas?”, assim começa o documentário. Lembra daquela música que cantou no banho e que apareceu como sugestão na sua playlist? Coincidência?
No último dia 24 de julho, foi lançado o documentário Netflix Privacidade Hackeada (The Great Hack), no qual são abordadas questões da sociedade como liberdade e privacidade. O documentário mostra que não é mera coincidência ter o tema privacidade tão em evidência nos últimos anos.
Em 2018, foi divulgado o escândalo envolvendo a coleta ilegal de dados pessoais de mais de 87 milhões de cidadãos do mundo inteiro por parte da Cambridge Analytica, através de um aplicativo no Facebook. O aplicativo “thisisyourdigitallife” pedia permissão para pesquisar sobre os hábitos do indivíduo, porém essa simples concessão permitia que vários dados do indivíduo e dos seus amigos fossem coletados para gerar um perfil psicológico dessas pessoas. Com isso, a Cambridge Analytica podia usar esses perfis para influenciá-las em decisões, através de fake News incluídas na timeline do Facebook. Uma investigação da jornalista Carole Cadwalladr descobriu que a Cambridge Analytica influenciou grandes votações e plebiscitos, como o Brexit, as eleições americanas (2016) e de Trinidad e Tobago.
Ao utilizar essas técnicas para capturar ilegalmente os dados, a Cambridge Analytica quebrou um direito humano, a Privacidade, citada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e, no Brasil, citada na Constituição Federal de 1988. Esta última descreve no Art 5º X “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas […]”. Se a Privacidade é um direito humano e garantido através de leis, em que momento ela se tornou apenas um conceito, um ideal?
Um dos personagens do documentário é o professor americano David Carroll, que tenta descobrir o que foi feito com seus dados capturados. Carroll é um dos titulares de dados pessoais que acabou descobrindo como os seus dados se tornaram o novo petróleo para muitas empresas. Se por um lado essa coleta de dados gera diferencial competitivo para aumentar a lucratividade das organizações, por outro retira a liberdade e a privacidade do cidadão. Nessa guerra, o lado do cidadão vem ganhando força com a aprovação de leis de proteção de dados pessoais.
A Europa possui uma diretriz para proteção dos dados pessoais desde 1995 e, apesar do documentário não citar, durante as investigações a Europa estava aguardando o GDPR (General Data Protection Regulation) entrar em vigor. No Brasil, a aprovação do GDPR em 2016 e o escândalo da Cambridge Analytica contribuíram para acelerar o processo de aprovação da nossa Lei 13.853/2019, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Com isso, o Brasil passa a ter uma Lei de proteção de dados pessoais equivalente ao GDPR e figura agora entre os 130 países do mundo que possuem uma legislação voltada para proteção da privacidade dos indivíduos.
Voltando para o professor Carroll, ele teve duras batalhas nos tribunais ingleses para conseguir saber quais dados foram coletados e como foram utilizados. Com a aprovação de leis como o GDPR e a LGPD, outros titulares não devem ter a mesma dor de cabeça que o professor, uma vez que essas regulamentações têm princípios voltados para a transparência, garantindo clareza e precisão das informações sobre o tratamento de dados pessoais.
Com esse escândalo e vários outros que vieram, o Facebook, foi obrigado a excluir aplicativos da sua plataforma e mudar sua política de privacidade, além de ser processada em diversos países (multada em alguns), e seu líder Mark Zuckerberg foi chamado a esclarecer os fatos no Senado Americano e no Parlamento Europeu.
O documentário não tem o objetivo de deixá-lo paranoico com a sua privacidade, mas de alertá-lo até onde as grandes empresas podem ir para eleger um presidente e mudar o futuro de uma nação. Carole Cadwalladr destaca que a tecnologia é, de fato, incrível, mas ela tem sido utilizada de maneira inapropriada. As leis ainda não estão totalmente preparadas para isso [apesar de estarem mudando], ainda veremos anos de democracia e sociedade sendo perturbados pelo uso criminoso das mídias sociais e dos dados coletados indevidamente.
A Cambridge Analytica pode ter sido exposta como pioneira dessa coleta imoral de informações, mas seu modelo de negócio se mostrou poderoso e lucrativo, desrespeitando o direito individual à privacidade. Outras empresas podem continuar fazendo o que eles fizeram, mas espera-se que com a leis de proteção de dados pessoais, isso seja punido rigorosamente.
Está claro que seus dados são valiosos nas mãos das empresas e que podem ser usados para te manipular. Isso começa com uma pessoa, depois outra, e outra, e uma sociedade inteira é manipulada. A pergunta final do documentário é: baseado no que essas empresas sabem, você pode ser manipulado?
A minha pergunta é: as Leis são suficientes para impedir que isso continue acontecendo?
Sem resposta